22 fevereiro 2015

rui costa / breve ensaio sobre a potência



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Ser adulto é quase impossível no mundo
só imberbe. Acreditas mais num ficheiro
Microsoft do que nas salmodias da tua avó.
O novo deus do mundo será um adolescente
com jeito para a música e o cabelo a imitar
os heróis da manga. A luz desloca-se com
pressa para chegar antes de envelhecer.

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E já não haver lugar para as imagens.
Eu sei que cabe tudo em disco externo,
mas foi aí que nós perdemos a cabeça.
Temos placas, rígidas plataformas, luz
com pouca treva nas costas da cidade.
Havemos de trocar as nossas memórias,
viver as outras vidas. Que sonho é agora?

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Ah, disseste bem. Amar para sobreviver
à razão de luz. Chegamos a casa e as janelas
recobrem o mar e o esquecimento do vulto.
Deitamos os corpos no sofá sem televisão,
ordenhamos o anti-cristo pela guerra ausente.
Despimo-nos, mostramos ao tempo o nosso
sexo, ordenamos-lhe que afunde a escuridão.

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Os anjos são recicláveis e a literatura
controla o tráfego aéreo. No porão do
pensamento acenamos à suavidade,
enquanto Deus é uma sala de fisioterapia.
Conservamos as fábricas de electricidade
em níveis aceitáveis de educação sentimental.
Somos homens negros paridores da luz.

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Na serra aliamos as tendas, aquecemos
música. A luz é da tribo, a Grande Pedra
escuta. Somo xamãs foragidos da pele da
Cidade, despidos do Futuro junto ao rio.
Vamos aprender a fabricar-nos alimentos,
esquecer digitalmente o Sucesso, renascer as
mãos na utopia. Neste mundo deus vai dançar.

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E assim ensaiamos o livro entre a
treva e a luz, o coração despedaçado
rasgando novos arquipélagos. São
colmeias brancas que nos coram as
palavras, pedras, constelações de risos
e de limos que transportamos na penumbra.
A poesia não sabe o quanto te devemos.


rui costa
breve ensaio sobre a potência
2012





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