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01 outubro 2023

ana paula inácio / auto-retrato II

 




 
Vivo com a crença estranha
de que nasci morta
e fiz a opção precoce
plas ruas escuras
de la Calle de l’Amargura de Cáceres
à de los Tigres de Martín del Castañar.
Parasita de quem me deita a mão,
fantoche presa por fios,
como se foram tubos
de alimentação artificial,
vivo da generosidade alheia
de quem me dá poesia
por pão ou rosas, Salvé rainha,
nascera eu a 19 de Maio de 1980
e poderia chamar Mário de Sá-Carneiro, meu doce irmão.
Nasci mesmo em 1966
aos doze dias do mês de Junho
sem par,
filha única
«tenho a minha casa para olhar»
 
 
 
ana paula inácio
2010-2011
averno
2011



26 setembro 2022

ana paula inácio & sandra costa / menos uma hora nos açores

 



7.
 
Dobras a vida pelos vincos,
ajustas a dor ao buraco da agulha,
sabes de cor quantos ibuprofenos
são precisos para que te sintas
um hóspede na tua casa,
espelhos foscos em ruínas novas,
para tudo há uma solução:
 
o erro é só a forma mais bela
de dizer que nenhum deus escreve
por ti em linhas tortas.
 
 
 
ana paula inácio & sandra costa
menos uma hora nos açores
volta d´mar
2022





07 abril 2022

ana paula inácio / querida sophia

 
 
Afinal as mónicas continuam
são as de sempre.
Fazem psicanálise e ioga,
cabeleireiro aos sábados e depilação 2 vezes por mês.
Não têm filhos mas adoptam-nos
como dão guarda aos cães
têm-nos de toda a qualidade
e para qualquer situação:
de cego para quando acordam cedo
e o excesso de luz as perturba;
da pradaria se pretendem preciosidades
raridades escondidas;
de água quando temerariamente mergulham
Quelques centimètres plus fond;
Briard quando precisam de inteligentes
e corajosos ou de pelagem abundante e
algo ondulado como os define
o dicionário Houaiss;
e finalmente de guarda ou de
fila não venha a coisa tornar-se pior.
Por vezes, estes últimos, podem tornar-se pegajosos,
inoportunos, indesejáveis
pelo que recebem o nome de miúdo ou
tinhoso, como o do rabo comprido, o
que também as enfeitiça
por fugir à norma, ao vulgo, ao
tremoço.
São sempre as mónicas
e quando falam ao telemóvel
usam uma voz recortada
como as mitenes da avó
e nunca amanham peixe
ou se amanham é para utilizar
as escamas em quadros florais
dispostos corredor acima.
Ao peixe comem-no cru,
para experimentar outras culturas.
 
 
 
ana paula inácio
2010-2011
averno
2011




11 outubro 2020

ana paula inácio / como vais tu morrer

 
 
Como vais tu morrer
em portugal
que te assenta de igual modo à camisola
que lavaste no programa errado;
Como vais vender os teus versos
ao preço da chuva
num país de cheias
e lágrimas fáceis;
Como vão as tuas palavras
arder no coração daqueles
que vêem as florestas
sucumbir ao fogo
todos os verões;
Como vais ficar em nada
como o gelo no whisky
no copo da mulher
que o teu marido ama;
Como vais, tu, abrir os braços
se só tens penas
como o pobre Garção?
 
 
ana paula inácio
2010-2011
averno
2011



06 janeiro 2018

ana paula inácio / como se o vento trouxesse



como se o vento trouxesse
recados
que pudesse abandonar
ao serviço do mensageiro

como se o vento te pudesse levar
e as palavras transformar
no milagre da cerejeira

não descuides o vento
que quem uiva
é lobo faminto

rodeia-te antes do essencial
faz-te cozinheira, semeia o teu quintal

o que por natureza rola
há-de rolar
e tu sozinha
o que podes contra o vento?


de Vago Pressentimento Azul Por Cima




ana paula inácio
anos  90 e agora
uma antologia da nova poesia portuguesa
quasi
2001






03 agosto 2016

ana paula inácio / duas chávenas




Tínhamos duas chávenas
em forma de meia lua
e uma triangular.
Quando alguém ia lá a casa
bebíamos os dois pelas meias luas
o convidado pela triangular.
Era uma regra da casa
nem escrita
nem pronunciada
apenas pressentida.
Até que alguém apareceu
e trocou o sítio das chávenas
a mim coube-me a triangular.
As regras eram mesmo assim
para quebrar
como as tartes
como as chávenas.
Será que ainda as podemos colar?


ana paula inácio
2010-2011
averno
2011




24 junho 2015

ana paula inácio / querida sophia,



Afinal as mónicas continuam
são as de sempre.
Fazem psicanálise e ioga,
cabeleireiro aos sábados e depilação 2 vezes por mês.
Não têm filhos mas adoptam-nos
como dão guarida aos cães
têm-nos de toda a qualidade
e para qualquer situação:
de cego para quando acordam cedo
e o excesso de luz as perturba;
da pradaria se pretendem preciosidades
raridades escondidas;
de água quando temerariamente mergulham
Quelques centimètres plus fond;
Briard quando precisam de inteligentes
e corajosos ou de pelagem abundante e
algo ondulado como os define
o dicionário Houaiss;
e finalmente de guarda ou de
fila não venha a coisa tornar-se pior.
Por vezes, estes últimos, podem tornar-se pegajosos,
inoportunos, indesejáveis
pelo que recebem  o nome de miúdo ou
tinhoso, como o do rabo comprido, o
que também as enfeitiça
por fugir à norma, ao vulgo, ao
tremoço.
São de sempre as mónicas
e quando falam ao telemóvel
usam uma voz recortada
como as mitenes da avó
e nunca amanham peixe
ou se amanham é para utilizar
as escamas em quadros florais
dispostos corredor acima.
Ao peixe comem-no cru,
para experimentar outras culturas.



ana paula inácio
2010-2011
averno
2011



03 fevereiro 2015

ana paula inácio / ó césar


não sou uma mulher moderna
não me ligo à net
gosto de compras ao vivo
cujas listas faço em cadernos de argolas
que depois esqueço
e só me lembro de elixir para aclarar a voz,
tenho tantas embalagens
como Warhol de Tomato Soap
ou de detergente Brillo,
para que ao chegares a casa
te envolva, te abrace e te queira
mas nem só de voz vive o homem
dizes tu,
e então a minha saúda-te
como a daqueles que vão morrer


ana paula inácio
2010-2011
averno
2011




20 maio 2014

ana paula inácio / senhora vermeer



À senhora Vermeer coube-lhe a sorte
de não caber nos quadros
de Vermeer, seu marido.
Não possuía o traço do anil
ou do ouro
que lhe caíam o regaço
como única declaração de posse
das jóias e do marido
que não era jóia nenhuma
como dizia a criada
que sabia como se cozinhavam as coisas
à rapariga do brinco
que ele pintou para sua desgraça.
A senhora Vermeer não ficou na História de Arte
só na das histéricas lágrimas
e inúteis posses,
desvairada e borratada
na sua pintura.


ana paula inácio
telhados de vidro nº. 11
averno
2008



22 junho 2012

ana paula inácio / senhora diego rivera





O que come um génio
para além de amigas e irmãs?
que prato de especial engenho
que entremeados feitiços
ervas daninhas, pêlo de cabra, suco de espinheiro
o fará ficar
nessa companhia de circo
onde equilibramos os pratos
no gume mais esticado do trapézio
quantas quedas será preciso dar
para fazer do corpo o melhor sítio donde se avista o mundo
elevá-lo a ícone nacional
como o chili e a massa de pimentão?




ana paula inácio
telhados de vidro nº. 11
averno
2008




27 novembro 2011

ana paula inácio / queria que me acompanhasses





queria que me acompanhasses
vida fora
como uma vela
que me descobrisse o mundo
mas situo-me no lado incerto
onde bate o vento
e só te posso ensinar
nomes de árvores
cujo fruto se colhe numa próxima estação
por onde os comboios estendem
silvos aflitos






ana paula inácio
poetas sem qualidades
averno
2002




10 agosto 2011

ana paula inácio / homenagem a 4 poetas e 1 cineasta

 
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Livra-me das tentações
de fugir ao fisco
e que em Fevereiro pague sempre
os meus impostos.
Afasta-me do supérfluo e
da vaidade e recorda-me que
um dia hei-de ter hemorróidas.
E não me deixes cair no pecado
da ideologia
para que não leve com o proletariado nas trombas.
Guia-me pelos caminhos do amor
até um centro comercial
onde o amado me acompanhará
a experimentar um a um cada vestido.
E, por último, faz com que
todo o iogurte que coma seja
- foda-se! –
de morango.
 





ana paula inácio
telhados de vidro nº. 11
averno
2008
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05 agosto 2011

ana paula inácio / as originais mulheres dos conselheiros acácios

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As originais mulheres dos conselheiros Acácios
praticam ioga antes e depois do sexo
são loiras mas com QI acima da média
lançam ferozes críticas à Igreja e outras instituições
flirtam com homens casados
mas intimidades na horizontal
só com certidão de divórcio passada;
mergulham fundo em piscinas, rios,
no próprio mar ou em longos beijos promissores
de poetas, músicos, escultores
ambiciosos e expectantes.
De facto, a cultura é-lhes essencial
uma autêntica segunda pele
como quem respira Louis Vuitton ou Prada,
segundo os saldos,
têm o estrangeiro como miragem
pra onde mandam os filhos de férias
ou pra estudar
gestão financeira ou de negócios
investem em ouro
pra contrabalançar as oscilações de mercado;
dispõem de um sorriso largo e cheio
onde pode encontrar refúgio o cansado viajante
e o olhar, onde se silencia toda a leitura,
começa onde se apaga a última luz
e se inicia o tacto de uma pelúcia fina e distante.
O chique vem de longe,
a revolução francesa a cavalo,
a cultura de comboio,
assim na geração de setenta,
e agora nos fios, nos cabos,
capitães ou generais de quem são esposas
duráveis mas algo hesitantes
entre o dever e o prazer:
há sempre um bom livro pra ler,
na Praia ou no Resort.
 


 

ana paula inácio
2010-2011
averno
2011
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