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26 setembro 2023

william carlos williams / a um discípulo solitário

 
 
Repara, mon cher,
que mais importante é a lua
inclinada
sobre o campanário
do que a sua cor
de rosa nacarado.
 
Mais importante
é o nascer do dia
do que o céu
pálido
como uma turquesa.
 
Mais importantes
são as linhas convergentes
do campanário
que, sombrias
se juntam no zimbório –
repara como
o seu reduzido ornamento
pretende interceptá-las –
 
Tão inútil é o seu afã!
Repara como as linhas convergentes
da agulha hexagonal
se escapam para cima –
recuando, separando-se!
– sépalas
que guardam e contêm
a flor!
 
Repara
como imóvel
a lua cheia
jaz protegida pelas linhas.
É verdade:
nas leves cores
da manhã
 
pedra parda e ardósia
brilham em laranja e azul-escuro.
 
Mas repara
no opressivo peso
do edifício atarracado!
Repara
na claridade de jasmim
da lua.
 
 
 
william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993
 



01 dezembro 2022

william carlos williams / el hombre




 
Estranha é a coragem
que me dás, estrela antiga:
 
Brilha sozinha na aurora
para a qual nada representas!
 
 
 
william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993




 


 

09 dezembro 2021

william carlos williams / chegada

 
 
 
E, todavia, chegas
dás por ti a desatar-lhe
o vestido
em alheios aposentos –
sentes que o outono
deixa cair as suas folhas de seda e linho
junto aos seus tornozelos.
Falso é o brilho do corpo que emerge
e se contorce
como o vento do inverno…!
 
 
 
william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993




 

05 julho 2018

william carlos williams / a rua solitária




Acabaram as aulas. Está demasiado calor
para passear. Mas elas passeiam
em ligeiras vestes pelas ruas
para matar o tempo.
Cresceram muito. Na mão direita levam
chamas cor-de-rosa.
De branco dos pés à cabeça,
olhando furtivamente ao passar –
de amarelo, roupas soltas,
cinto e meias pretas –
tocando as ávidas bocas
com açúcar rosado num pauzinho –
como um cravo que cada uma leva na mão –
sobem a rua solitária.


william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993







06 fevereiro 2016

william carlos williams / paisagem com queda de ícaro




De acordo com Brueghel
quando Ícaro caiu
era primavera

um lavrador arava
os seus campos
todo o esplendor

do ano
formigava ali
à

beira do mar
consigo mesmo
preocupado

suando ao sol
que derretia
a cera das asas

perto
da costa
houve

uma pancada quase imperceptível
era Ícaro
que se afogava



william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993





29 dezembro 2014

william carlos williams / canção



a beleza é uma concha
do mar
onde triunfante reina
até o amor dela se apoderar

vieiras e
garras de leão
esculpidas ao
som das ondas que se afastam

eternos acentos
repetidos até
olho e ouvido jazerem
juntos na mesma cama


william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993




03 agosto 2014

william carlos williams / a acácia em flor



Por
entre
verdes

duros
velhos
claros

quebrados
ramos
outro

branco
doce
Maio

vem


william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993


09 agosto 2013

william carlos williams / flores à beira do mar



Quando sobre a nítida, florida orla da
pastagem, o oceano invisível e salgado

ergue a sua forma - chicória e margaridas
atadas, soltas, quase não parecem flores

mas somente cor e movimento - ou talvez a
forma - do desassossego, enquanto

fechado em círculo o mar se move tranquilamente
como uma planta sobre o caule



william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993



03 junho 2013

william carlos williams / o poema



Tudo está
no som. Uma canção.
Raramente uma canção. Deveria

ser uma canção - com
pormenores, vespas,
uma genciana - algo
imediato, tesouras

abertas, olhos
de mulher - centrífuga
ao despertar, centrípeta



william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993



26 março 2012

william carlos williams / soneto em busca de um autor





Os corpos nus como troncos sem casca
exalam às vezes um odor tão
doce, homem e mulher

debaixo das árvores loucamente
em harmonia com o tapete de

aromáticas folhas de pinheiro
bordadas com videira virgem
disso poderia fazer-se um soneto

Disso poderia fazer-se um soneto! louco odor
odor de agulhas de pinheiro, odor de
troncos sem casca, somente odor
de videira virgem que

não sem odor, odor de mulher nua
por vezes, odor de homem





william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993



19 março 2011

william carlos williams / estas



--------ESTAS

são as semanas desoladas, sombrias
em que na sua aridez a natureza
rivaliza com a estupidez humana.

O ano despenha-se na noite
e o coração é um abismo
mais fundo que a noite

nesse vazio varrido pelo vento
sem sol, sem lua nem estrelas
apenas uma estranha luz do pensamento

que lança um tenebroso fogo -
rodando sobre si mesma até
no frio incendiar-se

e revelar ao homem algo que ele
desconhece, não a solidão
em si - não um espectro

ainda que o pudesse abraçar - vazio,
desespero - (gemendo
soluçando) entre

as chamas e os estrondos da guerra;
casas em cujos aposentos
o frio ultrapassa o imaginável,

aqueles que se foram e que amávamos
vazias as camas, húmidos os
sofás, as cadeiras sem uso -

Oculta-os algures
longe do pensamento, deixa-os criar
raízes e crescer, salvo de olhos e ouvidos

ciosos - por si somente.
A esta mina chegam para escavar - todos.
Será isto o contraponto da música mais

suave? A fonte da poesia que
ao ver o relógio parado, diz:
Parou o relógio

que ontem trabalhava tão bem?
e ouve o som das águas do lago
salpicando - agora petrificadas.







william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993

fotografia urs stooss





11 junho 2010

william carlos williams / pastoral








Quando era mais jovem
tinha a certeza
que devia fazer algo da minha vida.
Agora, mais velho,
caminho por vielas
admirando as casas
dos muito pobres:
telhados desengonçados
pátios cheios de
velho arame de capoeiras, cinzas,
móveis desconjuntados;
as cercas e os anexos
construídos com aduelas
e tábuas de caixotes, todos,
com alguma sorte,
sujos de um verde-azulado
cuja pátina
me agrada mais
que qualquer cor.

Ninguém
acreditará que isto
seja tão importante para a nação.







william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993






28 agosto 2009

william carlos williams / a chaminé amarela








Há um penacho
de fumo cor
de carne pálida no azul

do céu. Círculos
de prata
enlaçam espaçadamente

a estrutura amarela de
tijolos e refulgem
nesta luz

ambarina - não
do sol não do
pálido sol mas

do seu irmão
legítimo
o outono







william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993







23 junho 2009

william carlos williams / as árvores botticellianas









O alfabeto das
árvores

esvai-se na
canção das folhas

as hastes interceptadas
das finas

letras que enunciavam
o inverno

e o frio
iluminaram-se

de verde vivo
com

a chuva e o sol -
Os rigorosos e simples

princípios dos
ramos rectos

vão sendo alterados
por íntimos

retoques de cor, cláusulas
devotas

os sorrisos do amor -
.......


até que as frases
nuas

se movem como o corpo de
uma mulher debaixo do vestido

e louvam com sigilo e
desejo

a supremacia do amor
no verão -

No verão a canção
canta-se por si

sobre a surdina das palavras -









william carlos williams
antologia breve
tradução josé agostinho baptista
assírio & alvim
1993