Mostrar mensagens com a etiqueta frank o´ hara. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta frank o´ hara. Mostrar todas as mensagens

14 janeiro 2017

frank o´ hara / cambridge



Ainda chove e o fruto amarelo-verde do algodão
no peitoril parece tonto dando no inverno troncos
com apenas três folhas pardacentas. A chapa de aquecimento funciona,
é o único calor na terra, e café instantâneo. Eu
visto as minhas calças de veludo quentes, uma camisola grossa castanha
e envolvo-me no meu velho roupão castanho. Como Pasternak
em Marburg (dizem que a Itália e a França são mais frias,
mas estou certo que a Alemanha é tão fria como isto) e,
faltando-me a inspiração do Mestre, posso morrer gelado
antes de conseguir sair para a chuva branca. Poderia ter deixado
a janela fechada durante a noite? Mas é de onde a saúde
vem! A sua respiração desde os Urais, incendiando-me
como um cigarro esquecido. Arde! isto não é negligível,
sendo poético, não sendo frágil, pois que é patrocinado pelo
maior poeta Russo vivo com um custo incalculável.
Do outro lado da rua há uma casa em construção,
abandonada à chuva. Secretamente, irei trabalhar nela.


frank o'hara
vinte e cinco poemas à hora do almoço
trad. josé alberto de oliveira
assírio & alvim
1995



28 março 2015

frank o´ hara / ontem lá em baixo no canal



Dizes que tudo é muito simples e interessante
Isso torna-me muito melancólico, como se lesse um grande romance Russo
Estou tão aborrecido
É quase como ver um mau filme
Se não for, mais frequentemente, como ter uma doença aguda no rim
Valha-nos deus que não é nada do coração
Nada relacionado com gente mais interessante do que eu
Yak yak
Que pensamento divertido
Como pode alguém ser mais divertido que o próprio
Como pode alguém não ser
Podes emprestar-me o teu quarenta e cinco
Só preciso de uma bala de preferência de prata
Se não se pode ser interessante pelo menos que seja uma lenda
(mas odeio esta trampa toda)


frank o'hara
vinte e cinco poemas à hora do almoço
trad. josé alberto de oliveira
assírio & alvim
1995




12 dezembro 2014

frank o´ hara / nafta



Ah Jean Dubuffet
quando se pensa nele
cumprindo o serviço militar na Torre Eiffel
como meteorologista
em 1922
compreende-se como pode ser maravilhoso
o século 20
e os imponentes Iroqueses nos carris
altivos e a pé firme
nus como seria de esperar
ligeiramente etéreos
como um Sonia Delaunay
há uma parábola de velocidade
algures atrás dos olhos dos Índios
inventaram o século com os seus cavalos
e as suas costas frágeis
que são escuras

estamos em dívida com os Iroqueses
e com Duke Ellington
por tocar nos edifícios em construção
nós fazemos pouco
a não ser foder e pensar
no Metro obsessivo
e naquele que ali não apareceu
enquanto aguardávamos por pertencer ao nosso século
tal como não se pode fazer um chapéu de aço
e depois usá-lo
de qualquer forma quem usa chapéu
é costume da nossa tribo
enganar

como te sentes no velho Setembro
sinto-me como um camião em auto-estrada molhada
como podes
foste feito à imagem de Deus
eu não fui
fui feito à imagem de um camionista maricas
e Jean Dubuffet pintando as suas vacas
«com uma semelhança que irrompeu na memória»
aparte o amor (não fales nele)
estou envergonhado do meu século
por ser tão espectacular
mas tenho de sorrir



frank o'hara
vinte e cinco poemas à hora do almoço
trad. josé alberto de oliveira
assírio & alvim
1995




03 junho 2014

frank o´ hara / porque não sou um pintor



Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,

Mike Goldberg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
«Senta-te e toma uma bebida» diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
«Tu tens SARDINHAS aí.»
«Sim, precisava de qualquer coisa ali.»
«Oh.» Eu saio e os dias passam
e eu apareço de novo. O quadro
avança, e eu saio, e os dias
passam. Eu apareço. O quadro está
terminado. «Onde estão SARDINHAS?»
O que resta são apenas
letras. «Era demasiado», diz Mike.

E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
LARANJAS. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.



frank o'hara
vinte e cinco poemas à hora do almoço
trad. josé alberto de oliveira
assírio & alvim
1995





15 outubro 2009

frank o´ hara / a um passo de distância







É a minha hora de almoço, vou pois
passear por entre os táxis pintados
de ruído. Primeiro, pelo passeio
onde trabalhadores alimentam os troncos
sujos brilhantes com sanduíches
e Coca-Cola, usando capacetes
amarelos. Acho que os protegem
da queda de tijolos. Depois pela
avenida em que saias rodopiam
nos calcanhares e levantam voo sobre
os gradeamentos. O sol queima, mas
os táxis agitam o ar. Observo
pechinchas em relógios de pulso. Há
gatos que brincam na serradura.
Para
Times Square, onde o anúncio
sopra fumo sobre a minha cabeça e no alto
a cascata jorra suavemente. Um
Negro numa portada com um
palito, mexe-se langorosamente.
Uma corisca loura faz soar um estalido: ele
sorri e esfrega o queixo. De súbito
tudo buzina: são 12:40 de
uma Quinta-feira.
Neon de dia é um
grande prazer, como Edwin Denby
escreveria, como são as lâmpadas eléctricas de dia.
Paro para um cheeseburger no JULIET'S
CORNER, Guilietta Masina, mulher de
Federico Fellini, è bell' atrice.
E chocolate com malte. Uma senhora que
em tal dia usa pele de raposa mete o cão d'água
dentro de um táxi.
Há vários Porto
Riquenhos na avenida hoje, o que
a torna bela e quente. Primeiro morreu
Bunny, depois John Latouche,
depois Jackson Pollock. A terra
está tão cheia deles, como a vida esteve?
Comeu-se e passeia-se,
passa-se pelas revistas com nus
e os cartazes de TOURADA e
a Manhattan Storage Warehouse,
que em breve demolirão. Antigamente
pensava que nela se exibia o
Armony Show.
um copo de sumo de papaia
e volto para o trabalho. O meu coração está no
meu bolso, é Poemas de Pierre Réverdy.










frank o'hara
vinte e cinco poemas à hora do almoço

trad. josé alberto de oliveira
assírio & alvim
1995